A melhor proteção contra a epidemia de HIV é uma seringa e um preservativo limpos

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O HIV está matando muitas pessoas em todo o mundo. Mais de um terço dos infectados contraiu o vírus ao usar a seringa de outra pessoa ao injetar drogas. Isso poderia não ter acontecido se programas de redução de danos em larga escala, reconhecidos como o método mais eficaz de lidar com os efeitos das drogas ilícitas, tivessem sido implementados em todos os países. A equipe do BB lhe contará como o mundo chegou a esse método de combate ao vício e à disseminação do HIV e da hepatite no mundo.

De acordo com o relatório de 2020 do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), estima-se que houve 690.000 mortes devido a doenças relacionadas à AIDS em todo o mundo em 2019.

De acordo com o Relatório de Vigilância do HIV de 2019 dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), houve 14.963 mortes atribuídas à doença do HIV nos Estados Unidos e áreas dependentes em 2018. O número de mortes causadas pelo HIV vem diminuindo nos últimos anos. Em 2010, houve 18.344 mortes atribuídas à doença pelo HIV, mostrando uma tendência positiva na redução de mortes relacionadas ao HIV nos Estados Unidos.
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Um dos principais métodos de prevenção do HIV entre pessoas que usam drogas é um programa de redução de danos. Programas baseados nesse método estão em funcionamento nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa Oriental e na Ásia Central há mais de quarenta anos.

Apesar disso, alguns países consideram esses programas absurdos e dizem que eles promovem a tolerância ao uso de drogas na sociedade e podem até causar "a destruição do potencial demográfico, intelectual e criativo do país".

Os programas de redução de danos, inclusive a terapia de manutenção de substituição, são um dos métodos mais eficazes de tratamento da dependência de opioides. Especialistas da OMS, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) estão convencidos disso.
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O que é redução de danos?
A redução de danos é um conjunto de medidas de saúde, sociais e legais que visam minimizar as consequências negativas do uso de substâncias. Em todo o mundo, as pessoas que usam drogas são torturadas, presas e até mortas, como nas Filipinas. A filosofia da redução de danos é aceitá-las como são e ajudá-las - sem preconceito, coerção ou discriminação.

A OMS, o UNAIDS e o UNODC desenvolveram um pacote de intervenções baseado em evidências para reduzir os danos do uso de drogas injetáveis. Ele tem várias vertentes.
  • Programas de agulhas e seringas - as pessoas que usam drogas por via intravenosa correm o risco de contrair não apenas o HIV, mas também as hepatites virais B e C, pois frequentemente compartilham agulhas e seringas. A lógica é simples: é sensato escolher o menor de dois males e resolver pelo menos um dos problemas existentes, dando a essas pessoas acesso a equipamentos limpos. A Organização Mundial da Saúde recomenda fornecer a todas as pessoas que injetam drogas pelo menos 200 seringas e agulhas estéreis por ano para evitar a transmissão de infecções.
  • Terapia de substituição de opioides e outros tratamentos de dependência de drogas com base em evidências - nesse tipo de terapia, o usuário de opioides recebe medicamentos que bloqueiam seus efeitos eufóricos e permitem que ele se socialize, cuide de sua saúde e reconstrua uma vida destruída. Ametadona e a buprenorfina são os medicamentos mais usados para esse fim.
  • Aconselhamento e testes de HIV para usuários de drogas.
  • Terapia antirretroviral para o tratamento da infecção pelo HIV.
  • Prevenção, diagnóstico e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, tuberculose e hepatite viral.
  • Programas de distribuição de preservativos para pessoas que injetam drogas e seus parceiros sexuais.
Atualmente, a OMS, o UNODC e o UNAIDS citam a terapia de manutenção de substituição como um dos tratamentos mais eficazes para a dependência de opioides.

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A prática de redução de danos em alguns países também inclui.
  • Organização de salas de uso seguro de drogas - nelas é possível consumir substâncias introduzidas em um ambiente seguro e amigável, além de receber equipamentos de injeção esterilizados, informações sobre drogas, cuidados médicos básicos e encaminhamentos para tratamento. Essas salas salvam vidas: na província canadense de Alberta, por exemplo, elas evitaram mais de 4.300 overdoses fatais desde novembro de 2017.
  • Oferecer moradia e emprego às pessoas que usam drogas.
  • Teste de impurezas em drogas - há cerca de 70.000 overdoses fatais por ano nos Estados Unidos. A maioria dessas overdoses é causada pela adição de um opioide ainda mais potente, o fentanil, à heroína. O consumidor não sabe disso, portanto, a verificação de impurezas mortais pode salvar vidas.
  • Apoio psicossocial.
  • Fornecimento de informações sobre o uso mais seguro de substâncias.
  • Prevenção de overdose - no caso dos opiáceos, o tratamento mais eficaz é a naloxona. Em muitos países, ela está disponível em farmácias e é oferecida gratuitamente. Entretanto, em alguns países, a naloxona ainda está disponível somente com receita médica em instituições médicas.
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Princípios da redução de danos
  • Respeito aos direitos das pessoas que usam substâncias psicoativas. A dependência de drogas não priva uma pessoa do direito de viver, de receber serviços sociais, de manter sua saúde e, certamente, não deve servir de desculpa para humilhações e abusos, contra os quais ela é protegida por lei da mesma forma que os não usuários de drogas.
  • Usar somente evidências cientificamente comprovadas. Os programas de redução de danos contam com uma rigorosa base de evidências. A maioria de suas intervenções é simples de implementar, não exige grandes gastos e tem um impacto positivo significativo tanto no indivíduo quanto na sociedade.
  • O princípio da justiça social, que no contexto da redução de danos é interpretado como o combate à discriminação e a garantia de acesso a serviços sociais e médicos.
  • Cooperação com redes de pessoas que usam drogas: elas devem participar do desenvolvimento, da implementação e da avaliação de políticas e programas que as afetam diretamente.
  • Evitar o estigma. Alinguagem avaliativa deve ser evitada ao se referir às pessoas que usam drogas.
O uso de termos como "bordel", "drogado" é um caminho direto para a drogofobia. Alémdisso, é impossível permitir que as drogas sejam divididas em "boas" e "ruins", portanto, é preciso ter muito cuidado na escolha dos meios linguísticos.
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Um pouco de história
O termo "redução de danos" ganhou destaque em meados da década de 1980, quando a infecção pelo HIV começou a se espalhar pelo mundo. Mas os princípios básicos dessa abordagem foram formulados no início do século passado.

Na virada dos séculos XIX e XX, 300.000 pessoas nos Estados Unidos eram viciadas em ópio e opiáceos medicinais, como o láudano e o sulfato de morfina. Os médicos prescreviam laxantes, banhos, eletroterapia, dietas e colocavam essas pessoas em hospitais particulares para praticar técnicas de cura nelas.

De 1912 a 1923, 35 das chamadas "clínicas de manutenção de narcóticos" funcionaram nos Estados Unidos, onde os viciados em opioides registrados podiam comprar morfina e, às vezes, cocaína e heroína a preços baixos.

Algumas instituições estavam dispostas a fornecer substâncias psicoativas aos pacientes pelo tempo que quisessem, enquanto outras acreditavam que elas deveriam ser eliminadas gradualmente.

Algumas tentaram ganhar dinheiro com isso e outras mal conseguiam pagar as contas, pois queriam sinceramente ajudar as pessoas com dependência.Todas essas instituições tinham uma coisa em comum: foram fechadas pelo governo federal, geralmente um ano após o início das atividades.

A última clínica de apoio às drogas no país encerrou suas atividades em 1923.

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Enquanto isso, na Grã-Bretanha, em 1924, foi criado o Rolleston Committee for Heroin and Morphine Addiction (Comitê Rolleston para Dependência de Heroína e Morfina), nomeado em homenagem a Sir Humphry Davy, 1º Baronete, o famoso médico que foi convidado a chefiar a organização.

Em 1926, foi publicado seu famoso relatório, que permitia que os médicos prescrevessem morfina a pessoas que já eram viciadas em heroína e morfina. Os pacientes foram divididos em duas categorias: aqueles capazes de se recuperar por meio da retirada gradual da droga e aqueles que não conseguiam mais funcionar sem uma dose baixa regular de opiáceos. O relatório também afirmava que a maioria dos viciados em heroína e morfina pertencia à classe média, portanto, sanções criminais contra essas pessoas eram desnecessárias.

A "era Rolleston" foi substituída em 1968 pela "era da clínica", quando instalações especializadas para ajudar os dependentes começaram a ser abertas em todo o Reino Unido.

A típica clínica inglesa incluía uma prescrição de heroína (apartir do início da década de 1970 - de metadona), aconselhamento por assistentes sociais e psicólogos. Com a disseminação do HIV, programas de troca de agulhas e seringas, também apoiados pelo Estado, foram acrescentados à lista.
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E agora de volta à América do Norte. Em 1963, os médicos Mary Niswander e Vincent Dole desenvolveram o primeiro programa para tratar a dependência de opioides com metadona, um opioide sintetizado na Alemanha em 1942.

Como a substância era duradoura e bloqueava os efeitos eufóricos da heroína, as pessoas podiam realizar suas atividades normais, como trabalhar ou se reaproximar da família, em vez de perder todo o tempo procurando substâncias ilegais.

Apesar da oposição do Federal Bureau of Narcotics, dois anos depois, um departamento inteiro de terapia de substituição com metadona foi aberto no Manhattan General Hospital. No vizinho Canadá, a abordagem foi introduzida na mesma época.

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Na Europa, os primeiros programas de tratamento com metadona também surgiram na década de 1960: primeiro na Suécia, depois na Holanda, no Reino Unido e na Dinamarca. Em 1984, na Holanda, organizações de pessoas que usam drogas começaram a distribuir equipamentos de injeção esterilizados para evitar uma epidemia de hepatite B.

Três anos depois, programas semelhantes já estavam em funcionamento na Dinamarca, Espanha, Suécia, Grã-Bretanha e Malta. Alguns países experimentaram métodos alternativos de distribuição de equipamentos estéreis para injeção, como máquinas de quiosque e farmácias. E, em 1986, a primeira sala legal de uso seguro de drogas começou a funcionar em Berna.

Na Ásia, o primeiro programa de troca de agulhas foi lançado em 1991 no Vale de Kathmandu, no Nepal. No ano seguinte, surgiram programas de agulhas e seringas na Tailândia. Em 1993, a Índia lançou um projeto de tratamento com buprenorfina sublingual para viciados em drogas.


De acordo com o relatório Status Global da Redução de Danos de 2018, 86 países tinham todos esses programas em operação. A terapia de substituição de heroína, ou a prescrição de diamorfina sintética, era praticada na Bélgica, no Canadá, na Dinamarca, na Alemanha, na Holanda, na Suíça e no Reino Unido.
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Pesquisas estão em andamento para responder à pergunta se os mesmos métodos podem ser usados para tratar pessoas que tomam psicoestimulantes.

Nas Américas, está sendo estudado o potencial do uso de folhas de coca para substituir o crack, bem como o uso de substâncias farmacêuticas, como o modafinil, para a dependência de anfetaminas e cocaína.


Até o ano passado, salas seguras estavam funcionando em 12 países; mais três estão previstas para o início de 2024. Em dez estados, incluindo Quirguistão, Moldávia e Tajiquistão, programas de agulhas e seringas funcionavam nas prisões, e alguma forma de terapia de substituição era usada em 54 prisões.
 
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